Acordo Brasil-Santa Sé completa 11 anos

Acordo Brasil-Santa Sé completa 11 anos

Neste quarta-feira (13), o Acordo Brasil-Santa Sé completa 11 anos desde que foi assinado. Desde então o documento foi tema de seminários, workshops e discussões na sociedade.

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O documento que dá amparo aos direitos essenciais ao desenvolvimento da missão da Igreja no Brasil foi assinado em 13 de novembro em 2008, na Cidade do Vaticano. Este instrumento jurídico é um dos mais importantes marcos nas relações entre Igreja e Estado no Brasil.

O doutor em direito constitucional, e professor da PUC/Campinas, Prof. Dr. Lucas Catib de Laurentiis, explica que o acordo é um tratado internacional assinado entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé:

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“São dois estados soberanos que firmaram um acordo internacional. Este tratado foi internalizado ou seja, transformado em lei brasileira, por meio do Decreto presidencial nº 7107. Além de um tratado internacional é também uma lei brasileira.”

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Obelisco do Vaticano. Foto: Wikipédia

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O especialista ressalta que o acordo é de cooperação mútua entre os Estados, sobretudo em termos de independência e liberdade religiosa, e avalia o tratado como sendo de grande importância:

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“O acordo reafirma que o Estado é laico mas que ele não combate, de certa forma até coopera e dá assistência à vivência da religião. Na verdade, são direitos que já estavam na Constituição Federal, mas a importância dele também se deve ao fato de que o Brasil ainda não tinha um tratado deste tipo. Muitos países já tinham acordos com a Santa Sé, e o fato do Brasil ter assinado é mesmo para se comemorar, porque as relações entre Igreja e Estado brasileiros são centenárias e se trata de um país com uma grande população que professa a fé católica. O Brasil, assim, se alinha com vários outros países que já tinham este acordo, e também faz jus à sua história.”

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O secretário provincial, da PMBCN, Wilson Fernando Pereira, fala da importância do Documento, do Acordo entre Brasil e Santa Sé, quanto à atuação da Igreja no Brasil.

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“O Brasil, que abriga a maior população católica do mundo, era o único país que não dispunha de acordo sobre a presença da Igreja Católica Apostólica Romana em seu território. As diretrizes seguidas pelas autoridades brasileiras, na negociação do acordo, foram a preservação das disposições da Constituição e da legislação ordinária sobre o caráter laico do estado brasileiro”.

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Além disso, no referido acordo, o Brasil reconhece à Igreja Católica o direito de desempenhar sua missão apostólica, protege o patrimônio histórico e cultural da Igreja Católica e reconhece a personalidade jurídica das instituições eclesiásticas, nos termos da legislação brasileira. Um dos artigos dispõe que os direitos, imunidades, isenções e benefícios das pessoas jurídicas eclesiásticas, que prestam também assistência social, serão iguais aos das entidades com fins semelhantes, conforme previstos no ordenamento jurídico brasileiro.

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Acordo entre o Brasil e a Santa Sé

Cardeal Odilo Pedro Scherer

No dia 13 de novembro de 2008 foi assinado no Vaticano o acordo entre o Brasil e a Santa Sé sobre o estatuto jurídico da Igreja Católica no nosso país. No ato, o arcebispo Dominique Mamberti, secretário para as Relações com os Estados, da Secretaria de Estado da Santa Sé, representou a Igreja Católica, e o então ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, representou o governo brasileiro. Quase um ano depois, em 7 de outubro de 2009, o Congresso Nacional aprovou o acordo, que foi assinado como Decreto Legislativo n.º 968 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e entrou em vigor, com força de lei, no dia 11 de fevereiro de 2010.

Cardeal Dom Odilo
Cardeal Odilo Pedro Scherer. Foto: Arquidiocese de São Paulo

Trata-se de uma peça jurídica concordada entre dois sujeitos soberanos, reconhecidos pelo Direito Internacional: de um lado, a República Federativa do Brasil e, de outro, a Santa Sé, denominação internacionalmente reconhecida da sede da Igreja Católica Apostólica Romana. Acordos internacionais são celebrados entre entes reconhecidos pela comunidade internacional, os quais ajustam a vontade de cada qual para atingir alguma finalidade comum, obrigando-se por meio das cláusulas que criam e concordam entre si. A Santa Sé tem o status de país independente e autônomo, reconhecido pela maioria dos países mediante a troca de embaixadores e o estabelecimento de vários tipos de tratados e acordos bilaterais de recíproco reconhecimento e colaboração. Os embaixadores da Santa Sé são denominados núncios apostólicos.

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A celebração de acordos entre a Igreja Católica com diferentes países não fere o princípio da laicidade do Estado e do ordenamento jurídico democrático pluralista de um país. Ao contrário, quando um pacto internacional entre um Estado e a Igreja Católica é firmado, está implícito o reconhecimento, sem ambiguidade, da verdadeira laicidade do Estado e se explicita em termos práticos a efetivação do seu significado. No caso, não se trata de garantir privilégios para a Igreja Católica, mas de assegurar a liberdade religiosa e de conferir clareza e solidez jurídica às relações da Igreja e das instituições que a representam no ordenamento jurídico e no quadro institucional do País. Pelo acordo se afirmam a liberdade religiosa e suas implicações, mediante o reconhecimento de iniciativas próprias da instituição religiosa postas a serviço da sociedade. E isso é aplicável também a outras confissões religiosas.

A celebração do acordo da Santa Sé com o governo brasileiro, longe de ser um raridade, faz parte de uma praxe consolidada pela Igreja Católica. Numerosos acordos e tratados internacionais foram firmados entre a Santa Sé e países de todos os continentes, muitos dos quais não são de maioria católica ou cristã. Contudo, a assinatura do acordo entre o Brasil e a Santa Sé representou um momento histórico, havia muito esperado.

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Antes da proclamação da República, as relações entre Estado e Igreja eram reguladas pelo denominado Padroado, uma espécie de tratado que vigorou durante o período colonial e também durante o Império, mas foi abolido com o advento da República. Desde então, deixou de existir um instrumento oficial que mostrasse com clareza qual é o estatuto jurídico, no Brasil, desta instituição chamada Igreja Católica Apostólica Romana.

Na legislação brasileira, é bem verdade, havia leis diversas e práticas jurídicas consuetudinárias relativas à Igreja Católica e às demais igrejas e religiões. Faltava, porém, um corpo jurídico orgânico, até mesmo para facilitar o conhecimento e a aplicação das leis já existentes.

O acordo tem 20 artigos, que tratam das recíprocas competências internacionais para firmar esse instrumento jurídico bilateral. O Estado brasileiro reconhece a personalidade jurídica da Igreja Católica e das instituições canônicas que a representam, como a conferência episcopal, dioceses, paróquias e suas equivalentes. A Igreja Católica reconhece e respeita a Constituição e as leis brasileiras.

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O acordo prevê o tratamento a ser dado às organizações eclesiásticas que, além dos seus fins religiosos, também têm objetivos de assistência e solidariedade social, ao patrimônio histórico, artístico e cultural da Igreja e aos lugares de culto. Prevê ainda a liberdade de prestar assistência religiosa e espiritual aos doentes ou pessoas privadas de liberdade e da educação religiosa nas escolas.

Trata da cooperação da Igreja com o Estado em serviços de saúde e educação, do reconhecimento dos títulos acadêmicos conferidos por instituições eclesiásticas de educação fora do País, bem como do reconhecimento do casamento religioso com efeito civil e da homologação, pelo Estado, de sentenças matrimoniais de tribunais eclesiásticos, confirmadas pela Santa Sé. Há dispositivos sobre questões tributárias, sobre a índole própria do sacerdócio católico e do seu exercício, e sobre a identidade própria da vida religiosa consagrada. Trata também do ingresso e da atuação de missionários católicos estrangeiros no Brasil.

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Para comemorar o décimo aniversário da assinatura do acordo, será realizado nos dias 12 a 14 deste mês de novembro um importante seminário sobre os vários aspectos e implicações do acordo, promovido pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em parceria com a Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas. Entre as personalidades eclesiásticas e do âmbito jurídico presentes ao evento, destaca-se o cardeal Lorenzo Baldisseri, núncio apostólico e representante pontifício da Santa Sé no governo brasileiro na época da elaboração e da assinatura do acordo. Seu empenho diplomático foi decisivo para que se chegasse à definição dos termos desse instrumento jurídico internacional entre a Igreja Católica e o Estado brasileiro.

(Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 10/11/2018)

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